domingo, 29 de junho de 2008

Relógio sem ponteiros


Vê. As paredes continuam as mesmas
As coisas ainda estão no mesmo lugar
Parece que foi ontem o dia
Que percebi através de um olhar
O amor que em mim surgira
E que nem o vi chegar

Surgiu assim tão de mansinho, devagarinho,
Foi conquistando, arrebatando, engaiolando
Quando me dei por mim
Ah... Já era tarde demais
Você já me havia aprisionado
Virei refém desse amor desenfreado
Encaixotada, empacotada, com lacinhos e fitas de cetim
Era assim que eu me via
Quando me dava por mim.

As coisas continuam do mesmo jeito
Até o cheiro do seu perfume ainda está no ar
Suas roupas, seus sapatos, seus discos
Tudo do jeito que sempre foi
Parece até que o tempo não passou.

A foto de nós dois pendurada
Tão alegres e enclausurados
Nesse amor tão lindo e forte
Que a cada dia crescia, crescia e crescia

Mas o tempo passou
Passou imensuravelmente rápido
E hoje trago a dor
De ter que confessar
Que a fotografia não está mais lá
Que a parede agora está cinza
Que o teu cheiro o vento levou.

Tenho que aceitar que o tempo passou
E levou junto com ele o seu calor
Mas nunca conseguirá levar o meu amor
Porque para o meu coração o tempo não passou
E nas minhas entranhas tudo permanece no mesmo lugar.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Chuva na segunda

Hoje não teve jeito. Por razões externas fui obrigada a levantar, ainda mais cedo que o de costume, com a mínima disposição e vontade de fazê-lo. O cansaço acumulado do fim de semana que, aliás, foi tudo de bom, era o causador de tamanha preguiça e sem contar com o estigma de segunda-feira. Levantei. A chuva que caia era um convite tentador para permanecer mais uns minutos na cama, porém, as obrigações não entenderiam. Como em dia de chuva toda precaução é pouca, saí de casa com certa antecedência. Enquanto caminhava, sentia meus pés úmidos devido aos respingos, inevitáveis, da chuva incessante que me proporcionava uma sensação imensurável de infortúnio. Pensava no quanto seria maravilhoso estar em minha cama aconchegante assistindo aos programas matinais, sem graça por sinal, porém, melhor que respingos de chuva... Ao entrar no ônibus, lotado e abafado, a tensão aumentava e juntamente com ela a ânsia de que o meu dia fosse maravilhoso tendo em vista o modo como começou, mas, no fundo da minha alma, eu tinha a sensação de ter acordado com o “pé esquerdo”. Depois de alguns instantes no coletivo, pude, finalmente, sentar em um assento na janela.
Através do vidro olhava o trânsito que lentamente seguia e pude perceber uma imagem comum, mas que nunca me havia sensibilizado como nessa manhã. Observei uma família, imagem comum em nossas mentes, porém uma família atípica. Enquanto eu me queixava de ter molhado a barra da minha calça “da moda” e mergulhado a minha plataforma “semi-nova e recém paga” nas águas empossadas vi uma família estiando a chuva debaixo de uma marquise num bairro nobre. Não. Eles não estavam indo a algum lugar, eles simplesmente não tinham nenhum lugar. Eles eram de qualquer lugar ou de algum lugar. Eu, em plena nostalgia de uma “cama quente”, não percebi que no mundo tem gente que nunca teve cama, casa, cachorrinho de estimação e calça “da moda” ou até mesmo plataforma “semi-nova”. São pessoas que não têm nada. O aconchego que a chuva me proporciona ao dormir é pra alguém o martírio de uma noite sem dormir. Confesso que adoro dormir enquanto chove, mas o meu egocentrismo não me havia despertado para isso. Mães perdem o sono enquanto zelam pelas suas crianças e fazem preces para que as suas casas não deslizem barreira abaixo; pais tentam conter a força das águas, como se fosse possível, e tentam, sem sucesso, ajeitar o telhado que está à beira de despencar; famílias acordadas suspendem móveis para não perder tudo o que têm, vale ressaltar que não é grande coisa ou muita coisa, mas, é tudo que possuem e podem dizer que são seus. Em meio a tudo isso, eu, fortunada, me queixo por pés úmidos e sono interrompido. Percebo que eu é que sou a pobre dessa história toda. O mundo precisa de sensibilidade e hoje ganhou mais uma sensível. Eu.

domingo, 15 de junho de 2008

Onde estás?

Onde estás?
Há quanto tempo não te vejo
Nunca mais meu corpo sentiu teu calor
Nunca mais meus olhos viram os teus olhos
Nunca mais senti tua presença junto a mim
Mas, porque me pergunto onde estás
Se conheço bem meu corpo
E sei que estás seguro e vivo
Absolutamente tatuado na minha carne?

Mentiras


Por que te jurei que seria feliz
Se não creio em felicidade longe de ti?
Por que me prometeste que seria para sempre
Se não te comprometeste em fazer durar?
Por que me entopiste de inverdades
Juraste-me eternidade
E fizeste o sonho findar?
Cada eu te amo proferido
Foram um dia interrompidos
Com um "acabou" que ouvi chegar
O que fazer com o:
"Nunca esqueça o quanto eu amo você"?
Foste o primeiro a esquecer
De centenas de chances doadas
E tantas pisadas de bola perdoadas
Ouvi a triste, injusta e egoísta sentença:
"Não dá mais; seja feliz."
Feliz?
Que felicidade?
A que me prometeste e não cumpriste?
Ouvi de ti que era tarde demais.
Pode ser tarde demais para alguém ser feliz?
Desculpe-me, aceito, respeito, mas, não entendo
E, não me peça pra ser feliz assim logo e correndo...
Pois, vi um grande sentimento
Escoar por entre os dedos
Sem poder tornar ao coração.
Então, te faço a seguinte pergunta e exijo que me respondas:
Ainda é tarde para nós?

Sordade


Êta sentimentozin rim da gota serena
Como pode eu ficá longe di tu?
Eu ti amu e tu mi ama
U teu lugar é du meu lado
Ô vai mi dizê qui issu tá errado?

Oxe! Num pode eu aquí i tu lá
Légua i mais légua di distança
Separano u teu braço du meu abraço
A minha bôca dus teus lábio

Vô processar esse infiliz
Qui inventô essa disgraça chamada lonjura
Vô fazê ele sintí
Como é rim esse negoço de ôce longe di mim
Vô levá ele pru juiz
Ô intaum pru delegado
Pra colocá ele na jaula
I ficá pur lá ingaiolado
Prá ele vê bem visto mermo
Qui u qui eu tô sintino no meu peito
É rim qui só saga de suvaco de alejado

Ah! Bem feito!
Consigui u qui eu quiria
Vô tê uma audiênça cum o infiliz das costa ôca
Qui inventô essa fulerage toda.

Intonce sabe u que ele vêi me dizê?
"Como ôce pode sabe que ama um tantaum assim
Si nu ficá longi nem que seje um bucadim
Só pra sintí que ama i qui num pode de jeito manêra
Vivê um sigundim qui seje distante do amô
Sintí farta du xêrin bom, du carinhu dôce, da vozinha mansa
Qui só o benzin da gente tem?"

Fiquei cá cumigo incabulado
Dias e noites incucado
Um mói di tempo pensano na lezêra
Qui eu tinha ôvido daquele disiquilibrado
Dispois di incucá bem muito
Mais bem muito mermo
Tive qui concordá cum o infiliz
Mais cum uma discordança...

Pode até sê qui ele tenha razão
Mais qui seje o mínimo de tempo pussívi
Desse troço rim di eu sem tu
Purque tu longe de mim léguas e léguas
É rim qui só a soma de todas as mulestas.

Pra você com grande ternura


Doce criança
Quem te deu meu manual?
Quem ousou te revelar meus segredos, anseios...
Era tudo brincadeira
Como fui me apaixonar?
Essa tua companhia
Esse teu doce falar
E agora o que eu faço?
Como vou me comportar?
Pouco a pouco
De mansinho
Recebendo teu carinho
Um abraço. um sorriso
Um beijo.
Ah! Teus beijos...
Esses me fazem suspirar
É inexplicavelmente sem explicação!
O teu cheiro
Teu beijo
Teu toque
Tudo me fascina
Pareço criança encantada
Com um brinquedo novo
Ou um novo amiguinho pra brincar
Estava tão desprevinida
Acostumada com a minha particular solidão
E tu vens
Acanhado,
Calado,
Destruindo minha solidão
Estruturando minhas emoções
Reformando meus anseios.
Onde compraste o guindaste que destruiu minha solidão?
Batendo estacas
Firmando bases
Pouco a pouco
Conseguiste construir o teu castelo
Dentro do meu coração
Caro moço,
Caro amigo,
Caro príncipe construtor.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Esperando aviões - Vander Lee


Meus olhos te viram triste

Olhando pro infinito

Tentando ouvir o som do próprio grito

E o louco que ainda me resta

Só quis te levar pra festa

Você me amou de um jeito tão aflito


Que eu queria poder te dizer sem palavras

Eu queria poder te cantar sem canções

Eu queria viver morrendo em sua teia

Seu sangue correndo em minha veia

Seu cheiro morando em meus pulmões

Cada dia que passo sem sua presença
Sou um presidiário cumprindo sentença
Sou um velho diário perdido na areia

Esperando que você me leia

Sou pista vazia esperando aviões


Sou o lamento no canto da sereia

Esperando o naufrágio das embarcações

Confissões de um menor abandonado - Ivone Boechat


Eu sei que sou culpado. Não tive capacidade para assumir a administração de minha vida. Não fui capaz de resolver as emoções infantis nem consegui equilibrar-me sobre os obstáculos que herdei da sociedade.

Até que me esforcei! Olhei para a vida de meus pais, porém, os desentendimentos de seu casamento falido nublaram os tais exemplos de que ouvi falar, só falar.

Não tive o privilégio de me aquecer no meu próprio lar, porque lhe faltou a chama do amor, sustentando-nos unidos. Cada qual saiu para o seu lado. Na confusão da vida me perdi.

Candidatei-me à escola. Juntei a identidade civil à foto desbotada, botei a melhor farda de guerreiro, entrei na fila. Humilhado por tantas exigências, implorando prazos, descontos e vaga, sentei-me num banco escolar, jurei persistência, encarei o desafio.

- Joãozinho, você não sabe sentar-se?

- Joãozinho, seu material está incompleto.

- Joãozinho, seu trabalho de pesquisa está horrível.

- Joãozinho, seu uniforme está ridículo.

A barra foi pesando, fui sendo passado para trás e vendo que escola é coisa de rico. Um dia, arrependi-me, mas a professora se escandalizou das faltas (nem eram tantas!) e disse que meu nome já estava riscado, há muito tempo. O que fazer? Dei marcha à ré ali e, olhando a turma, com vergonha, fui saindo.

Moro nas marquises, debaixo da ponte, nas calçadas e não moro em lugar nenhum. Tenho avós, pais, irmãos e primos, mas não tenho família. Tenho idade de criança e desilusões de adulto. Minha aparência assusta as pessoas e nada posso fazer. A cada dia que passa, estou mais sujo, mais anêmico, mais fraco.

Sou um rosto perdido, perambulando em solo brasileiro. Na verdade, chamam-nos menores, todavia, somos os maiores desgraçados.

Vendo balas num sinal de trânsito que muda de cor a cada minuto. Quando o sinal fica vermelho, os carros param, meu coração dispara. Para nós, menores abandonados, o vermelho é a cor da esperança.
Foto: Cedida por Ricardo Dutra.